Procuradoria revela erros no processo de escuta; julgamento sobre suspensão de licença de obra no Pará está marcado para segunda (25)
Acampamento da Mineradora Belo Sun - projeto Volta Grande, no Pará; suspensão de licença de instalação da obra deve ser julgada na próxima segunda-feira (25). |
O fantasma de Belo Monte volta
a assombrar as populações indígenas da região da Volta Grande do rio Xingu, no
Pará. Se a hidrelétrica reduziu
a vazão do rio e afetou
a reprodução dos peixes, agora o receio é que o projeto da
mineradora canadense Belo Sun de abrir a maior
mina de ouro a céu aberto do Brasil contamine a água,
prejudicando ainda mais comunidades que dependem da pesca. Como no caso da
usina, os povos indígenas dizem que também não foram consultados sobre o novo
empreendimento minerário, denúncia que é corroborada pelo Ministério Público
Federal (MPF) e deverá ser julgada na próxima segunda-feira (25).
“Estamos na iminência de mais
um empreendimento que não sabemos de onde vem e o que vai acontecer”, afirma à Repórter
Brasil Lorena Curuaia, líder da comunidade Iawá, composta
por membros dos povos Xipaya e Kuruaya e uma
das afetadas pelo projeto Volta Grande, da Belo Sun.
A indígena afirma que sua
comunidade já teve a pesca prejudicada por Belo Monte e agora teme novos
prejuízos, como o envenenamento da água. Ela também reclama que o apelo dos
povos da região para serem ouvidos continua sendo ignorado – mesmo depois de oito
anos, quando uma licença prévia do projeto foi concedida à Belo Sun
pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará.
Em 2017, o Tribunal Regional
Federal da 1ª Região (TRF1) suspendeu uma
segunda licença concedida pelo governo paraense, a de instalação da mina, condicionando-a
a um processo de consulta prévia às populações indígenas afetadas, nos moldes
da Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Justiça
também exigiu da empresa a elaboração de um estudo que atenda aos parâmetros da
Funai (Fundação Nacional do Índio).
No próximo dia 25, o tribunal
revisitará o
processo para avaliar se a mineradora cumpriu as exigências.
Caso a decisão seja favorável à empresa, a Belo Sun poderá ser autorizada a
iniciar as obras para instalar a mina de ouro.
Mas as consequências dessa
decisão podem ir além do impacto sobre as comunidades, já que o caso pode abrir
precedente e definir um padrão de como devem ser feitas as consultas aos povos
tradicionais. Elas podem se tornar mais frequentes caso o Congresso aprove o
projeto de lei 191/2020, que libera a atividade nos territórios indígenas.
Em janeiro, a
mineradora alegou que cumpriu as demandas do TRF1 e pediu a
liberação da licença. Mas o
MPF afirma que não houve consulta de fato às populações e que o
estudo realizado tem falhas. O argumento da Procuradoria é baseado em um parecer produzido
em fevereiro por pesquisadores do Observatório
de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Prévio Livre e Informado,
a pedido do próprio MPF.
Segundo o documento, a
mineradora apenas coletou informações a respeito de algumas das comunidades
afetadas, sem que houvesse espaço para que os indígenas se manifestassem e
influenciassem o projeto, como deveria ocorrer em um processo efetivo de
consulta.
O parecer indica ainda que a
mineradora busca classificar como consultivas reuniões com indígenas
desaldeados (que não vivem em suas terras demarcadas) que tinham como objetivo
declarado apenas coletar informações. Não há registros de que indígenas que foram
a esses encontros tenham sido informados de que compareciam a um processo de
consulta prévia para a liberação da mina de ouro.
Outro problema apontado pelos
pesquisadores é que o estudo da Belo Sun sobre os desaldeados não incluiu
pesquisa de campo, o que vai contra a determinação da Funai.
Além dos erros relativos às comunidades, o observatório levanta questões com relação aos trâmites no licenciamento ambiental. A Semas concedeu a licença prévia à Belo Sun em 2014, antes que fosse iniciado qualquer processo de consulta, e se recusou a revogá-la mesmo após pedido da Funai. Porém, uma decisão de 2012 da Corte Interamericana de Direitos Humanos prevê que a consulta deveria ocorrer “em todas as fases de planejamento e desde as primeiras etapas” – com base nisso, os pesquisadores defendem também a suspensão da licença prévia.
Mesmo os encontros com
participação da Funai não contam como consultivos, continuam os pesquisadores,
mas, no máximo, como de coleta de informações. E que o órgão público que
deveria participar das audiências nas comunidades deveria ser a Semas, que hoje
tem poder decisório sobre a obra – e não a Funai.
Até agora, as licenças
ambientais para a obra têm sido analisadas pela secretaria de Meio Ambiente do
Pará. No entanto, procuradores argumentam que, por se tratar de projeto com
grande impacto ambiental, as licenças deveriam ter sido concedidas pelo órgão
federal, o Ibama. Este ponto também deverá ser julgado na próxima segunda; caso
o tribunal concorde com o MPF, o trâmite de licenciamento ambiental da obra
retornaria à estaca zero.
Lorena Curuaia conta que a
comunidade Iawá encaminhou diversos pedidos à Funai para que fosse consultada,
mas não obteve resposta. “Precisamos ter conhecimento sobre o projeto, sobre
explosões e uso do cianeto, pois tememos o ocorrido em Brumadinho e Mariana.
Até o presente momento, fomos invisibilizados do processo de consulta”, diz uma carta de
2020 assinada por membros da comunidade.
Em outro
comunicado conjunto, moradores da Iawá e das comunidades Kanipá,
Jericoá I e Jericoá II informaram à Funai que nenhuma delas havia sido
“procurada, consultada, ou mesmo informada” sobre as implicações do
empreendimento e solicitaram mediação do órgão indigenista para apresentação de
explicações, planos de execução e possíveis impactos ambientais.
Questionada pela Repórter
Brasil, a Semas disse que, por se tratar de questão indígena, a
responsabilidade por acompanhar o procedimento de consulta é da Funai. Também
procurada, a Funai não se manifestou.
Já a mineradora Belo Sun
afirma que “concluiu a consulta prévia, livre e informada e o Estudo de
Componente Indígena (ECI)”, de acordo com as determinações da OIT, da Funai e
do Protocolo de Consulta Juruna, e que “já promoveu mais de 80 encontros, com a
participação de 1.500 pessoas, para levar informações detalhadas sobre o
empreendimento e se mantém aberta ao diálogo” (leia
a íntegra das respostas).
Planos irregulares de remoções
O projeto da Belo Sun também é
questionado por prever a possibilidade de remoção da comunidade indígena de São
Francisco – que fica a 600 metros do empreendimento e está em processo de
demarcação –, assim como das comunidades ribeirinhas de Vila da Ressaca e do
Galo.
De acordo com o parecer
requisitado pelo MPF, se confirmado, o possível deslocamento de uma comunidade
indígena seria inconstitucional. Além disso, como os ribeirinhos são
considerados povos tradicionais, sua remoção também dependeria de consentimento
prévio.
O parecer que embasa a posição
do MPF também questiona uma decisão da Funai que desobrigou a Belo Sun de
realizar um estudo sobre a TI Trincheira/Bacajá,
que está a 39 km da obra. Como a mineradora tem planos de expandir a área
explorada pelo projeto Volta Grande, esses indígenas também precisam ser
consultados, segundo avaliação dos pesquisadores do observatório. A Belo Sun
tem autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM) para pesquisar áreas que
fazem fronteira com a Trincheira/Bacajá.
Caso não isolado
Os questionamentos em relação
à consulta aos indígenas não se limitam ao projeto Volta Grande. Outra empresa
também ligada ao banco canadense Forbes & Manhattan, a mineradora Potássio
do Brasil, é igualmente acusada de não consultar corretamente os indígenas Mura
afetados por outra
megaobra em Autazes (AM).
O plano da Potássio do Brasil
de explorar minério
no Amazonas também é questionado pelo MPF, que defende que o licenciamento
desse projeto seja realizado pelo governo federal, por meio do Ibama, e não
pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), como vem ocorrendo.
Além disso, a Procuradoria
pede uma inspeção judicial para avaliar a situação local e prestar
esclarecimentos ao povo Mura. A pré-consulta, etapa a partir da qual os
indígenas decidirão se querem ser efetivamente consultados, teve
início no começo de abril e deve se estender até o final de
junho.
Em entrevista à Repórter
Brasil, Jeremias Mura, membro da Organização de Lideranças
Indígenas Mura de Careiro da Várzea, que participou da elaboração do protocolo
de consulta da comunidade, diz que entre os pontos de preocupação
com o projeto estão a chegada de pessoas de fora para a região, o risco de que
barragens de rejeito se rompam e a falta de planos para quando o projeto de
mineração se esgotar.
Questionada, a Potássio do
Brasil disse que “no momento, os diretores preferem não se manifestar sobre o
assunto”. Já o banco Forbes & Manhattan não respondeu ao pedido de
posicionamento.
O Forbes & Manhattan foi
fundado pelo empresário indiano radicado no Canadá Stan Bharti, que é seu CEO.
O banco funciona como uma espécie de incubadora de
grandes empresas, para depois revendê-las a preços mais altos. Além do elo por
meio desse banco, os casos da Belo Sun e da Potássio do Brasil também se
relacionam porque, até hoje, não houve consulta a esses povos sobre projetos
minerários no Brasil.
Os dois processos ligados ao
banco canadense podem, assim, se tornar precedentes sobre como serão, na
prática, realizadas essas consultas. Até agora, no entanto, esses precedentes
são negativos, segundo parecer apresentado pelo MPF.
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