Belo Monte é contrária a Belo Sun, Empresa Canadense que pretende explorar cerca de cinco toneladas de ouro por ano, por pelo menos 12 anos
A empresa responsável pela usina hidrelétrica de Belo Monte, empreendimento que impactou de forma definitiva a vida e os ciclos biológicos na Volta Grande do Xingu, se opôs a um projeto de exploração de pelo menos 60 toneladas de ouro na região e apontou riscos para a qualidade da água, para a vazão e para a existência de peixes caso a atividade minerária seja levada adiante.
Belo Monte é contrária a Belo Sun, um empreendimento canadense que quer explorar cinco toneladas de ouro por ano, por pelo menos 12 anos, numa das regiões mais sensíveis da Amazônia brasileira.
A região já é fortemente impactada -em qualidade da água, vazão e existência de peixes- pela usina hidrelétrica viabilizada nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).
A Volta Grande fica no médio Xingu, e é integrada por dezenas de comunidades ribeirinhas e por terras indígenas que dependem da pesca para a sobrevivência.
Belo Monte matou trecho do rio e deixou milhares de pescadores sem peixe para pescar, como a Folha de S.Paulo mostrou em série de reportagens em outubro e novembro.
Os responsáveis pela usina dizem adotar todas as medidas para garantir a pesca e definiram o pagamento de reparação de R$ 20 mil a 1.976 pescadores, pelo tempo em que não foram adotadas medidas de mitigação.
Depois da usina, o projeto de mineração de grande impacto passou a ser motivo de preocupação para as comunidades.
Belo Sun fica em Senador José Porfírio (PA), cidade a 160 km de Altamira (PA), o município mais impactado por Belo Monte. Os dois empreendimentos são vizinhos e têm impactos diretos na Volta Grande do Xingu.
A Norte Energia, que é o conjunto de empresas responsável por Belo Monte, enviou ofício à Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade) do Pará e pediu reavaliação do processo de licenciamento de Belo Sun, diante do "conflito entre as atividades e risco de implantação de atividade minerária em conjunto com a operação da usina de Belo Monte".
O ofício foi enviado em 14 de março de 2022. Foi endereçado à Semas, que cuida das licenças ambientais na esfera estadual; à diretoria de licenciamento ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis); à coordenação de licenciamento da Funai (Fundação Nacional do Índio); e ao MP (Ministério Público) estadual e federal no Pará.
“Estudos indicaram incompatibilidade entre os empreendimentos hidrelétrico e minerário", cita o ofício.
A Semas emitiu a Belo Sun licenças prévia, em 2014, e de instalação, em 2017. O MPF pediu suspensão das autorizações e transferência do licenciamento para a esfera federal, ou seja, para o Ibama. A exploração de ouro na região impactaria comunidades ribeirinhas e indígenas.
A Justiça Federal suspendeu a licença, o que foi confirmado pelo TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região em abril deste ano. A suspensão prossegue por tempo indefinido.
A discussão sobre Belo Sun, para além da judicialização, deve ser feita pelo governo Lula. Sobre Belo Monte, o presidente eleito já disse que faria o empreendimento de novo.
No governo de Jair Bolsonaro (PL), o Ibama alegou não ter responsabilidade sobre o processo de licenciamento.
"O Ibama entende que o licenciamento ambiental do empreendimento Belo Sun é de competência estadual", afirmou o órgão, em nota. "É importante destacar também que o tema encontra-se judicializado."
A Semas disse, em nota, que o licenciamento está suspenso desde 2018 devido a uma decisão judicial. O órgão não respondeu aos questionamentos sobre o ofício da Norte Energia e sobre os apontamentos feitos.
A empresa responsável por Belo Monte, que tem na composição acionária Eletrobras, Petros, Funcef, Neoenergia, Vale, Sinobras, Light, Cemig e J. Malucelli Energia, citou no ofício estudos ambientais feitos em 2013, ano que antecedeu a licença prévia emitida pela Semas a Belo Sun. Esses estudos foram enviados ao órgão ambiental, segundo a Norte Energia.
Houve um pedido para inclusão de documentos, como um relatório com "elenco de incompatibilidades para existência comum dos empreendimentos Belo Monte e Belo Sun".
O documento de 2013 já pedia suspensão do processo de licenciamento, em razão da falta de consulta aos indígenas das terras Paquiçamba, a 12,6 km da área de prospecção mineral, e Arara da Volta Grande, a 10,4 km, segundo a Norte Energia. Os dois territórios são diretamente impactados por Belo Monte.
A Norte Energia apontou ainda riscos à qualidade e à vazão de água na Volta Grande do Xingu, com possibilidade de contaminação no trecho da vazão reduzida. Outro risco é de impacto à ictiofauna (aos peixes) por "perturbações, assoreamento e contaminação de drenagens tributárias", mais possibilidade de aumento de embarcações e impactos às comunidades ribeirinhas.
Questionada pela reportagem sobre as contestações feitas ao projeto da Belo Sun, a Norte Energia disse que não irá se manifestar.
O gerente-geral de Belo Sun, Rodrigo Costa, afirmou que o ofício de 2022 é apenas uma cópia do ofício de 2013.
"O ofício da Norte Energia foi reapresentado e dado destaque pelo MPF para reforçar a tese da federalização [do processo de licenciamento], apesar de o Ibama já ter se manifestado formalmente contra isso pelo menos três vezes nos autos do processo [referente à ação movida pelo MPF]", disse Costa, por e-mail.
Segundo ele, o documento tem informações desatualizadas e "ultrapassadas por fatos novos" e não há razão para a Semas do Pará ser substituída pelo Ibama no processo de licenciamento.
Ao longo dos últimos nove anos, houve alterações do projeto de engenharia e não há mais previsão de captação da água no rio Xingu, conforme o gerente de Belo Sun. A água será captada da chuva, afirmou.
Costa disse estar prevista "descarga zero para o ambiente, com o monitoramento da qualidade das águas superficiais e subterrâneas". Segundo o gerente do projeto de mineração, foi feita consulta a comunidades das terras Paquiçamba e Arara da Volta Grande, com anuência da Funai à licença prévia.
Na COP15 da biodiversidade da ONU, realizada em dezembro no Canadá, lideranças indígenas brasileiras protestaram contra Belo Sun e denunciaram os impactos negativos do projeto.
"A Belo Sun teve durante algum tempo uma relação institucional de alto nível com a Norte Energia, compartilhando formalmente todas essas informações, e naturalmente já manifestou explicitamente a sua surpresa por esse último ofício de 14 de março de 2022", afirmou Costa. "O projeto Volta Grande está mais robusto que nunca."
O projeto de mineração Belo Sun é apontado como empreendimento do banco canadense Forbes & Manhattan em publicação no site da empresa em abril de 2022.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
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